A GENTE NUNCA ESQUECE
Por Dartagnan da
Silva Zanela
A primeira crônica a gente
nunca esquece. Bah! Isso até parece conversa de quem está de frente para o
abismo. Parece, mas, pro mimimi de muita gente, não é não.
Foi mal. Estou bem
distante dele e assim pretendo me manter.
E, deixando as firulas de
lado, voltemos ao ponto desses traços desalinhados. A primeira crônica tornada
pública a gente nunca esquece mesmo. Como muitos sabem, iniciei minha
deselegante vidinha de escrevinhador através das laudas - na época, quinzenais
- do Jornal Fatos do Iguaçu, com um artigo publicado numa edição que circulou
no ano de 1997, se minha memória, essa sem vergonha, não está me traindo mais
uma vez.
Lembro que me encontrei
com o Bigode (o lendário senhor Naor Coelho) em frente à Prefeitura Municipal
de Reserva do Iguaçu, onde lhe entreguei um disquete com a dita cuja da escrevinhada
– que na época eu ainda insistia em chamar troços de “artigo”.
Ele pegou o dito cujo do
disquete e, passado alguns dias lá estava aquela coisa tosca, parida por minha
cumbuca matutante, pra todo mundo poder ler. Quer dizer: pra quem tivesse a
paciência e bondade de fazê-lo.
Depois desse, muitíssimos
outros vieram e foram impressos nas páginas do mesmo jornal, e de muitos outros
órgãos de impressa; por inúmeras pessoas que, pelas quais, cultivo um profundo
e sincero sentimento de gratidão.
Quanto ao conteúdo do
texto, graças ao bom Deus, me esqueci. E é melhor nem lembrar, porque, como
dizem, a primeira escrevinhada é similar a primeira ressaca. É inesquecível,
apesar de não nos lembrarmos de muita coisa. Aliás, nesses casos, ainda bem que
a gente não se lembra de quase nada.
Tudo bem, mas qual é a
importância dessa lengalenga saudosista? Para o amigo leitor, provavelmente
nenhuma. Para mim, nem tanto.
Digo isso, porque
frequentemente indago, aqui e acolá, a respeito da importância do ato de
escrever, sobre a serventia da atividade dum escriba que, ajuntando letras, que
insistem em ficar soltas, persiste em querer compartilhar ideias, impressões e
pontos de vista que, muitíssimas vezes são, no mínimo, heterodoxas, pra não
dizer outra coisa. Bem, e aí vem a pergunta: qual seria a serventia de
sacolejar a cuca dos outros através de palavras um tanto deselegantes, qual? Qual
seria a relevância, da leitura duma frase que seja, numa sociedade onde
praticamente poucos nutrem um mínimo afeto pelas letras? É essa questão que me
inquieta e, imagino que, também agite a alma de uma e outra pessoa, porém, sou sincero
em declarar: me inquieto, mas não estou muito preocupado em encontrar uma
resposta pra isso não. Que siga o enterro!
E tem outra! Mudando de
prosa, sem sair do assunto, sempre que adentro uma livraria de livros usados -
os populares sebos - fico feito criança em loja de brinquedos, com os olhos
luzindo diante de tanta belezura.
Leio os títulos, procuro
por esse ou aquele autor, enfim, me divirto e, em meio ao regozijo, matuto.
Matuto sobre o trabalho de todos esses gigantes adormecidos e esquecidos.
Figuras que são apresentadas como mestres e, por o serem, são brindados com o
óbolo do desdém, do esquecimento, da galhofa infame dos letrados que vivem como
se fossem ágrafos soberbos e, diante disso, me ocorre: se eles - que são
gigantes - são esquecidos, quem de nós tem o direito de ser lembrado, não é mesmo?
Enfim, mais uma vez, que siga o enterro.
Espera aí! Antes de
seguir, explico-me: em todo e qualquer ambiente, nós, reles mortais, gostamos
de cultivar aquela pose de gente sabida, entendida, ilustrada e, para manter
essa imagem, é óbvio que se faz de fundamental importância que digamos o quão
importante é a dita cuja da educação e como essa é negligenciada por nossas
“otoridades” e blábláblá.
Lembremos, sempre: o
fingimento é indispensável em nosso meio praticamente antissocial.
E que a verdade seja dita:
nossas “otoridades”, em sua maioria, não nutrem, mesmo, o menor afeto pela
referida questão e, por suposto, não zelam de sua própria educação. Alguns,
sejamos francos, nunca a começaram. Bem provavelmente Platão teria enfartado ao
conhecê-los e jamais teria formulado sua teria do rei filósofo. Ou, quem sabe, não
foi por uma razão similar a essa que ele a elaborou, não é mesmo?
Mas também, e esse é o
ponto, sejamos francos: quem de nós, quem, de fato estabeleceu um plano para a
realização de sua própria formação? Não me refiro à obtenção dum canudo. Um
diploma, por si, não passa dum trem oco que pouco ou nada significa. A pergunta
é outra. Quem de fato nutre um sincero e abnegado amor pelo conhecimento da
verdade e pelo cultivo do saber? Quem? Quem? Pois é. Que siga, mais uma vez, o
andor.
Claro que não falta, e em
todas as praças há, aqueles que acusam tudo e todos pelo desdém manifesto e
patente pela educação, mas são poucos, pouquíssimos, aqueles que, de modo
similar ao publicano do Evangelho segundo São Lucas, batem no peito,
reconhecendo ser um desses muitos hipócritas que abundam em nossa sociedade.
Uma sociedade, diga-se de
passagem, agrilhoada à efemeridade dos momentos e dos desejos rasos, onde os
indivíduos, reduzidos a mais abjeta nulidade, arrastam-se entre os escombros
dum mundo materialismo tosco, junto aos pés das multidões vazias que oscilam da
militância bocó para o consumismo fútil e vice-versa. E fazem tudo isso porque
nunca iniciaram, seriamente e com propósito, a sua educação pessoal, a sua
formação enquanto sujeito consciente e responsável por seus atos, palavras e
ideias.
É isso. Pronto. Terminei.
E quanto à primeira
crônica de minha lavra? O que ela tem haver com esse babado todo? Graças ao bom
Deus, nada. Aliás, se eu ainda escrevesse daquele jeito, e naquele tom bocó, eu
mesmo me dava uns tapas.
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