VIVA CRISTO REI!
Todo dia vinte e cinco de
novembro celebra-se a solenidade de Cristo Rei do Universo. Celebra-se? Bem,
deixemos essa espinhosa questão em banho Maria. Levantemos outra, mais simples,
que esteja à altura de nossas limitações. Ela, a referida solenidade, foi
instituída pelo Papa Pio XI, logo no início do seu Pontificado, através da
Carta Encíclica QUAS PRIMAS. Mas por que o Sumo Pontífice em questão fez isso?
O que ele queria nos lembrar com essa solenidade? O que ele queria nos ensinar por
meio dessa Encíclica? Bem, essas perguntinhas são mais fáceis de serem
respondidas. Então, como dizem os gaudérios: “vamo que vamo e dele que dele”.
O finado Papa está nos advertindo
para aquilo que o mesmo qualificou como sendo um dos grandes males que assola a
modernidade que, no caso, seria o laicismo com suas inúmeras consequências.
Detalhe importante: não
confundamos laicismo com Estado laico. Essas são coisas nominalmente parecidas,
porém, mui distintas na substância.
Estado laico, de modo curto de
grosso, seria a não identificação do Estado com um credo religioso particular
ou com uma ideologia política em especial. Tal pressuposto não significa que o
Leviatã será indiferente e insensível aos valores que são cultivados pela sociedade.
Significa, sim, que o Estado, o mais frio dos monstros frios, como dizia
Nietzsche, irá esforçar-se para respeitar e preservar os valores e tradições
dessa.
Nesse sentido, o poder temporal
fica ao encargo daqueles que estão à frente do Estado e, o poder espiritual e
moral ficam sob a tutela daqueles que estão à frente das instituições que, bem
ou mal, representam as tradições religiosas que deram forma a sociedade.
E é aí que a porca torce o rabo.
O poder espiritual e moral,
necessariamente, devem estar acima do poder temporal/Estatal. E o devem por uma
razão muito simples: eles são os freios supraconstitucionais do poder. Na verdade,
os principais.
Explico-me: as tradições
religiosas, por definição, contrabalançam o poder por servirem de freios
internos dos mandatários do poder, impingido em suas consciências limites que
muitas vezes as ideologias e a política pragmática não medem esforços pra
romper para, desse modo, (des)governar sem limite moral algum.
Claro, isso não é de modo algum
100% eficaz, mas é um freio a mais contra os possíveis abusos do poder que
podem ser perpetrados pelos mandatários duma sociedade ou por qualquer um de
nós.
Um bom exemplo disso nos é dado
por Fábio Konder Comparato em seu livro “A afirmação histórica dos direitos
humanos”, onde o mesmo nos lembra do papel desempenhado pelo Profeta Natan
frente ao reinado de Davi, onde o primeiro acossava a consciência do segundo
sem o menor pudor. Também é digno de destaque os sermões de Jacques-Bénigne
Bossuet, frente a corte francesa, e do nosso Padre Antonio Vieira.
Diante disso, não é à toa que
John Adams, um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos, disse que o modelo de
governo que estava sendo criado por eles no século XVIII, somente seria
razoavelmente eficaz se fosse empreendido por um povo profundamente religioso e
que tivesse sólidas convicções morais, porque a democracia apenas seria um
regime razoável se as pessoas fossem capazes de se autogovernarem e, tal
governança apenas é possível e pensável numa sociedade com tais fundamentos. Na
casa da mãe Joana tornar-se-ia meio complicado.
Aliás, vale lembrar que o Estado
laico é uma criação das sociedades judaico-cristãs e, em todas as nações onde
tivemos a implantação de Estados Totalitários, não foram medidos esforços para
varrer o cristianismo do mapa para, desse modo, destruir as bases do Estado
laico e, assim, abrir as porteiras para o totalitarismo.
Detalhe: toda sociedade, como nos
ensina Aristóteles, em seu livro “Política”, bebe duma fonte comum de valores.
Há, sim, divergências e conflitos entre os indivíduos, mas toda sociedade tem
um manancial comum com o qual todos, dum modo geral, se identificam e procuram
zelar dele e orientar-se por meio do mesmo.
Resumindo: não existe sociedade
laica. E a manutenção dum Estado laico depende da existência duma sociedade com
sólidas convicções morais, similares ou análogas aos valores cristãos.
De mais a mais, como nos lembra T.
S. Eliot, em seu livro “A Ideia de uma Sociedade Cristã e outros escritos”, não
seria imprescindível que o governante duma nação seja um Cristão convicto, ou
que ele seja uma pessoa de sólidos princípios morais, ou que o Estado professe
oficialmente os fundamentos Cristãos. Mais importante que isso seria que a
sociedade seja fundada nesses princípios e que cultive essa solidez moral.
E ele afirma isso por uma razão
muito simples. Se o governante for uma pessoa decadente e a sociedade for
altiva, essa irá, de vários modos, limitar as suas possíveis perversões e
abusos. Agora, se a sociedade for decadente e o governante for uma pessoa
magnânima, esse terá grandes dificuldades de encontrar meios efetivos de zelar
pelo bem comum. Porém, se o governante for virado num “chapéu veio” e a
sociedade for virada “no guede”, aí meu amigo, é praticamente inevitável que a
vaca vá para o brejo totalitário.
Agora, tratemos do laicismo.
Esse, por sua deixa e em resumidas contas, é a instrumentalização do Estado
Laico para introduzir novos valores, crenças e crendices ideológicas na
sociedade, mesmo que tal introdução seja contrária à vontade e as convicções da
maioria das pessoas. Ou seja, laicismo seria quando o Estado é utilizado por
grupos políticos, muito bem organizados, que se aderem à maquinaria Estatal
para, sorrateiramente, subverter os valores da sociedade.
Quando isso acontece, ao invés do
poder temporal se colocar abaixo do poder espiritual/moral, acabamos por ter em
seu lugar uma inversão dessa ordem e, tal inversão, acaba pode ter consequências
ignóbeis, dentre elas, destacamos a colocação da figura do Estado como
legislador moral, submetendo absolutamente as religiões e a sociedade aos seus
ditames. Aos ditames daqueles que estão instrumentalizando o Leviatã em favor
do seu grupo político e de sua ideologia que, por sua deixa, e de maneira
sorrateira, acaba tomando o lugar dos valores morais e das tradições
religiosas, ganhando, praticamente, a autoridade dum princípio categórico
onipresente como bem ilustra Antonio Gramsci no seu livro “O moderno príncipe”.
Parêntese. Claro que, no correr
dos séculos, muitíssimas autoridades cometeram abusos inenarráveis que
corroboraram para que isso ocorresse. Não há dúvidas quanto a isso. Porém, tal
frouxidão moral manifesta por autoridades religiosas apenas reflete, de certa
forma, o avanço do secularismo através do laicismo. Fecha parêntese.
Obviamente que tal procedimento
não ocorre de supetão. Não mesmo. Ele se faz de modo sutil, usurpando da
religião a autoridade moral e submetendo a sociedade ao arbítrio daqueles que
se apoderam dos meios de exercício do poder que seriam exclusivos do Estado,
lançando assim as bases para a erosão daquilo que, supostamente, seria defendido
por eles – o Estado laico e democrático – para facilitar a arguciosa
implantação dum Estado totalitário.
Esse, caríssimos, seria o grande
mal que Pio XI queria nos advertir através da Encíclica QUAS PRIMAS e por meio da solenidade de Cristo Rei do
universo. O Bispo de Roma queria nos lembrar que o senhorio de Cristo está
acima do senhorio de todos os reis. Que os governantes devem ser respeitados
como governantes e não serem adorados como ídolos de carne e sangue. Adoração
essa que, infelizmente, tornou-se extremamente frequente no correr do século XX
e que continua a se espraiar no século XXI.
Stálin, Mao Tsé Tung, Hitler, Mussolini,
Fidel, Vargas, Peron, Chávez, Maduro, Che Guevara e tutti quanti, foram e são
adorados por muitos como se fossem deidades duma seita o que, de certa forma,
ilustra muito bem o que o escritor inglês G. K. Chesterton certa feita havia
dito sobre esse assunto. Dizia ele que, quando Deus é banido do espaço público,
o Estado, juntamente com seus representantes e parasitas, vão sendo
divinizados.
Ora, uma coisa é reverenciar um
líder político pelas suas supostas qualidades. Nada de errado em fazer isso. Agora,
uma coisa totalmente distinta disso, da reverência, é vermos multidões de
pessoas entregando-se de modo vil a uma idolatria sem par onde o líder político
é colocado acima do bem e do mal, acima de qualquer suspeita, como se fosse a
manifestação viva da ordem do universo (apesar de toda a desordem parida por
ele).
Trocando em miúdos:
tradicionalmente, entre nós, acreditava-se que a salvação apenas era possível
por meio de Cristo, hoje, muitíssimas pessoas, inclusive muitas almas que se
creem cristãs, estão convictas de que a salvação, a resolução de todos os
males, se daria por meio da ação política, através daquilo que Eric Voegelin
chamava imanentização da fé.
Enfim, voltemos a pergunta que
utilizamos para iniciar essa parva escrevinhada: hoje, quando celebramos a
solenidade de Cristo Rei do universo, celebramos com o propósito de
reconhecermos que apenas a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade é o Senhor dos
senhores? Celebramos para não nos esquecermos que o laicismo, fantasiado de
defesa do Estado laico, não mede esforços para acabar com as bases da
cristandade? Celebramos?
Independente da resposta que seja
dada por muitos a essas indagações eu, de minha parte, não me canso e espero
nunca me cansar de, todo santo dia, recitar a oração jaculatória dos santos
mártires Cristeros, dizendo: Nossa Senhora de Guadalupe, humildemente vos peço
a graça de que meu último grito nessa terra e que meu primeiro hino na Pátria
Celeste seja viva Cristo Rei! Que Viva! Amém.
E vamos, sem demora, beber uma
boa xícara de café.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela
Comentários
Postar um comentário