(2019) NÃO TENHO NENHUMA MENSAGEM
Lembro-me que, na década de noventa, uma das turmas que
lecionei, e que estava se formando, me pediu para sugerir uma frase para ser
estampada em sua camiseta de formatura - camiseta a qual tenho guardada até hoje.
Bem, sem pestanejar sugeri o seguinte aforismo de Mahatma
Gandhi: “não tenho mensagem; faço de
minha vida minha mensagem”.
Sim, isso mesmo, a frase foi adotada e a camiseta ficou porreta.
Mas não é de formaturas que intento parlar, nem tão somente
do findar dum ano para o nascimento doutro. Gostaria, sim, de falar sobre
outras coisas a partir dessa sentença e a respeito da experiência que nos é
propiciada por ritos de passagem como o do réveillon.
Todos, desde os mais ingênuos, até os mais incrédulos, acabam
nessas épocas entregando-se a alguma forma de reflexão. Sejam elas profundas ou
superficiais, num clima etílico ou de estoica sobriedade, cada um ao seu modo
inevitavelmente faz a sua retrospectiva do ano que se despede.
Ou seja: sem querer querendo, dum jeito ou doutro, acabamos
realizando um exame de consciência, confessando para nós mesmo o que acabamos
escrevendo no livro de nossa vida, enquanto mensagem frente à eternidade, neste período que finda.
Ao confessarmos o que fizemos, nos umbrais silentes de nossa
consciência, temos uma visão parcial, porém sincera, de que tipo de pessoa
estamos nos tornando e, se isso, de fato, seria algo desejável, pois, como
dizia Millôr Fernandes, viver é como desenhar, mas sem borracha. E é cada desenho.
Aliás, quando perscrutamos nossa vida vivida, necessariamente
identificamos os valores que dão sentido para nossas escolhas.
Não importa muito o que esteja fervilhando em nossa cumbuca
nessa época do ano. Não mesmo. O que realmente deve ser levado em consideração,
após o voluntário ou involuntário exame de consciência, é a necessidade de tomarmos
uma resolução: sacrificar tudo aquilo que não mais deve fazer morada em nós.
O céu é dos violentos, ensina-nos Santo Agostinho; daqueles
que, de maneira inclemente, desterram de sua alma tudo aquilo que nos afasta de
nós mesmos, que nos distancia do caminho para a Verdade, e isso não é fácil
não. E quem diz, de boca cheia, que procede assim com tranquilidade, de fato, nunca fez isto realmente.
Louis Lavelle, em seu livro “O espelho de Narciso”, nos
chama a atenção para essas muitíssimas formas de falsa consciência, para o fato
de que frequentemente aquilo que chamamos de sinceridade para conosco, não
passar, na maioria dos casos, duma encenação feita por nós para nos ocultar de nós mesmos.
Basta que puxemos da memória nossos momentos de afetação de
indignação ferida para constatarmos o quão artificiosas elas são, para vermos o
quanto nos esforçamos para não ver, com os olhos da consciência, a verdade
sobre nós que habita muito além do nosso pálido reflexo no espelho da nossas palavras.
Talvez, por essa e por outras razões, que as resoluções que
firmamos nesses momentos, que são marcados por alguma espécie de rito de
passagem, como um réveillon ou uma formatura, não conseguem efetivar nenhum
efeito real e duradouro em nossa personalidade. Na real, esses propósitos
acabam sendo tão efêmeros, e barulhentos, quanto uma queima de fogos de
artifício.
Porém, cá estamos, involuntariamente, frente a mudança de
calendário para o início dum novo ciclo solar e, por isso mesmo, podemos, voluntariamente,
estabelecer um propósito para o ano que está por vir. Um propósito pequeno e
mensurável; por isso mesmo, sincero e exequível.
Propor para si mesmo grandes mudanças, dum modo geral, podem
sinalizar duas coisas: ou que estamos procurando uma justificativa
grandiloquente para uma cagada descomunal, ou que estamos simplesmente querendo
racionalizar nossa preguiça existencial frente a um projeto tão mirabolante
quanto inexequível e, desse modo, poder tranquilamente continuar sendo o mesmo tonto de sempre.
Por isso, pensemos pequeno para que, passo a passo, possamos
realizar algo que seja realmente significativo, por simplesmente ser pequeno,
tal qual a milênios nos recomenda Confúcio em seu livro “Os Analectos”.
Dum jeito ou de outro, nossa vida acabará sendo a nossa
grande mensagem que, com o tempo, bem provavelmente será esquecida e, em muitos
casos, nunca será conhecida, mas que acabará ecoando na eternidade.
E qual será o eco que nos acompanhará para todo o sempre?
Qual? Independente de qual seja, que ele não cause amargura em nossa alma
quando estivermos diante da derradeira hora.
Bem, no meu caso, se possível for, espero que tenha um
suave aroma de café e aquele inebriante odor duma biblioteca.
Um abençoado 2019 para todos.
Escrevinhado por
Dartagnan da Silva Zanela
O senhor JAMAIS será esquecidos por nos que tivemos o privilégio de sermos seus slunos. Eu sou uma dessas alunas, e o senhor cobtinua lembrando meu filho. Tenha um 2019 ricamente abençoado.
ResponderExcluirObrigado Mary pelas suas gentis palavras... Um abençoado 2019 pra ti e para os seus também...
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