ECOS SOMBRIOS NA NOITE DA CONSCIÊNCIA
Toda e qualquer afetação de superioridade é uma “m”. Não só
porque fazer isso é feio (e põe feio nisso). A encrenca maior em nos
entregarmos a esse tipo de feiura é que ela acaba por embotar a nossa percepção
da realidade e, consequentemente, termina mutilando a nossa já bem maculada
consciência moral.
Resumamos o entrevero e sejamos curtos e diretos: quando nos
habituamos a botar banca de superioridade acabamos transformando esse
fingimento bobo em nossa autoimagem e, com o tempo, substituímos a nossa
personalidade por uma fantasia [de engajamento tosco num coletivismo qualquer].
O exemplo mais abundante que temos disto, em nossa triste
sociedade, é aquela fantasia, cheia de plumas e paetês baratos, de cidadão crítico.
Basta o infeliz dizer isso para si e repetir para todos que ele, sem nada [ou
pouco] saber ou fazer, passa a se achar o bicho da goiaba [crítica].
Se fizermos isso, também, com o tempo, tal qual essas peças
nada raras, passaremos a nivelar tudo o que seja digno, bom, belo e verdadeiro,
pela medida duma fantasmagoria, ideológica ou não, que passou a nos assombrar e
que, de certa forma, tomou o lugar de nossa personalidade.
Fantasmagoria cujos gritos ecoam em nossa alma como se fosse
a nossa consciência e que, por sua deixa, nessa altura do campeonato, jaz
esquecida em algum recando de nosso dissimulado “ser” mal fantasiado.
Se insistirmos em seguir por um carreiro assim, sem querer
querendo, acabaremos vivendo uma vida que não é nossa; nos tornaremos alguém
que, quando, por um milagre, conseguir ver a si mesmo com os olhos da própria
consciência individual, sentirá uma baita repulsa.
Uma repulsa não de si, mas da verdade que chega através de
seus olhos.
De tanto vivermos através duma fantasia ideológica, a
realidade desnuda, quanto vista, inevitavelmente, nos fere no íntimo de nossa
alma.
Fere e, por isso, pode nos salvar, mantando a fantasmagoria
ideológica que parasita nossa personalidade e paralisa nossa consciência.
Quando isso ocorre é motivo de júbilo, pois estamos
despertando para a tal da realidade e nos dando conta do quanto fomos trochas
e, desse modo, estaremos tendo a oportunidade singular para nos desvencilhar do
velho homem para sermos, quem sabe, um homem de verdade.
Pois é. Todavia porém e entretanto, em muitíssimos casos,
quando isso acontece (da falsa consciência do sujeito ser ferida de morte para
ele despertar de seu estado de torpor), o susto é grande, mas não maior que a
vergonha de ter, até então, vivido um simulacro de vida.
E então, por falta de coragem, não são poucas as almas
aflitas que acabam agarrando-se a sua vida fingida, ao seu simulacro de
criticidade engajada, voltando suas costas para si mesmo, mais uma vez, por não
ter a coragem moral mínima necessária para reconhecer que, durante anos, foi
feito de bobo.
Por vergonha, e por um bom tanto de vaidade e soberba,
muitos preferem viver uma vida de conveniências ideológicas, fingimentos
corporativistas e demais salamaleques sociais do que serem autênticos. Preferem
viver uma farsa existencial coletivista, um “não sei quê” crítico em cacos, do
que serem uma pessoa por inteiro.
Isso é lamentável, sei disso, mas é assim mesmo.
E essa vergonha (ou seria a falta dela?) é um dos grandes
males que afeta o espírito nacional, dum modo geral, e, consequentemente,
adoenta, de modo particular, a alma de cada um de nós, principalmente daqueles
que não são capazes de reconhecer e combater essa moléstia que corrompe o nosso
coração e que, por isso mesmo, deve ser combatida todo santo dia, um dia de
cada vez.
Fim. Pausa para o café.
Escrevinhado por
Dartagnan da Silva Zanela
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