OS FILHOS BASTARDOS DE PETER PAN



Enquanto um homem for capaz de sonhar ele não perecerá. Todos nós, em algum momento dissemos essa sentença para um amigo que estava em maus lençóis ou a repetimos para nós mesmos para nos alentar num momento difícil.

Sim, há alguma verdade nesse dito, não há dúvida alguma quanto a isso; porém, em meu ver, paira sobre ele uma baita dose de autoengano, devido ao clima hedonista e relativista que entorpece a sociedade moderna e, consequentemente, acaba por afetar a cada um de nós.

Explico-me ou, ao menos, tento fazê-lo: dum modo geral, essa máxima é repetida como uma forma sutil, e até mesmo elegante, para justificar uma série de fracassos pessoais, ou sinaliza a insistente recusa dum indivíduo de encarar a maturidade, com todas as suas agruras e perrengues.

Matutando por essa perspectiva, podemos afirmar que enquanto um indivíduo vive divagando entre sonhos e devaneios, a criança inconsequente que habita em cada um de nós vive, impedindo que o adulto responsável nasça em cada um de nós outros; e isso, francamente, não é bom.

Não é bom para o próprio sujeito e, também, não o é para a sociedade. Ou seria benfazejo que uma sociedade fosse regida por anseios infantis de pessoas inconsequentes?

A resposta a essa indagação parece-nos óbvia, não é mesmo? E de fato o é. Uma pessoa, em idade adulta, que deseja viver de modo inconsequente até o fim dos seus dias para, como dizem, “aproveitar bem a vida”, é alguém que voluntariamente está optando em ser um fardo fátuo na vida de todos.

Agora, imagine uma sociedade onde a imagem da inconsequência juvenil, em misto com o anseio inócuos por sonhos estéreis, é cultivada como se fosse um símbolo de virtude. Imaginou? Pois é, uma sociedade assim estaria condenada a ser corroída pela recusa de encararmos os nossos deveres frente à existência, diante da nossa vida e com relação à vida de todos.

E, para lascar com a vida de muitos em uma sociedade, não é necessária uma grande multidão de indivíduos que viva de modo travesso feito um Peter Pan. Não. Basta um pequeno número de indivíduos que assim proceda para arruinar com todo o coreto.

Infelizmente, hoje em dia muitos, muitíssimos, ufanam os devaneios juvenis, ao mesmo tempo em que permanecem, e querem permanecer, agrilhoados a eles.

De minha parte, creio que seria mui interessante que, junto com Nelson Rodrigues, disséssemos às gerações tenras, e ao moleque que há em nós, o que o “Anjo Pornográfico” várias vezes havia dito: “jovens! Envelheçam”. Envelheçamos para assumirmos o nosso devido lugar no teatro da realidade para sermos minimamente dignos, prestativos e bons.

Sim, no quadro atual de nossa sociedade, dizer isso parece até coisa de maluco, algo extraordinário. Verdade. Mas, não nos esqueçamos de que nada é mais extraordinário que um homem comum com sua vida comum. Nada.

Talvez, por não mais lembrarmos e ensinarmos isso, que os nossos dias, cada vez mais, se pareçam com um insano pesadelo.

Fim. Hora do café.


Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela, 04 de fevereiro de 2019, natalício de Dietrich Bonhoeffer.

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